Facções Criminosas e Guerra Cognitiva: Dominando os Territórios da Mente

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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O crime organizado, através da narcocultura e guerra cognitiva, disputa espaços com o Estado, manipulando percepções e minando sua legitimidade; o Estado deve adotar estratégias informacionais e culturais contra essa ameaça híbrida.


Introdução

O crime organizado, em suas múltiplas formas, deixou há muito de ser apenas um fenômeno de natureza econômica ou policial. No século XXI, ele se apresenta como um ator armado não estatal cujo alcance cultural lhe permite disputar espaços físicos e simbólicos com o Estado. Também é importante considerar, sobretudo, a consolidação da chamada narcocultura, expressão simbólica de poder e identidade forjada pelo crime.

O núcleo da questão não está apenas no tráfico de drogas, armas ou pessoas, mas no uso da ideologia como instrumento de poder. Facções criminosas, cartéis e milícias compreenderam que a dominação de territórios exige mais do que armas: requer símbolos, narrativas e linguagens capazes de moldar subjetividades. Assim, a música, a moda, a estética e até a religiosidade tornam-se ferramentas de imposição de uma visão de mundo. São expressões de uma mesma lógica: a criação de um imaginário no qual o criminoso não é apenas transgressor, mas também líder, protetor e modelo de sucesso.

Essa realidade é ainda mais grave quando observamos a inércia do Estado. A resposta estatal, concentrada na dimensão repressiva e coercitiva, não enfrenta a batalha simbólica e cognitiva que sustenta a expansão do crime. Enquanto facções financiam bailes, produzem músicas, controlam redes sociais e constroem narrativas de pertencimento, o Estado mantém-se refém de uma lógica de segurança pública limitada, que reduz a complexidade da questão a operações policiais pontuais. O resultado é uma perda progressiva de legitimidade: comunidades marginalizadas, em vez de enxergarem no Estado uma instância de proteção e reconhecimento, passam a encontrar no crime uma alternativa simbólica e, em alguns casos, até funcional.

Nesse sentido é que entra a guerra cognitiva, uma forma contemporânea de conflito que se estabelece no domínio da mente humana, visando manipular percepções, crenças, emoções e decisões. Diferente das guerras convencionais, ela não depende de armamentos letais, mas de narrativas, símbolos e tecnologias que influenciam o comportamento humano. Guerra e defesa cognitiva derivam do termo “domínio cognitivo”, que foi introduzido pelo Departamento de Defesa dos EUA em 2001, no contexto da Guerra Centrada em Redes, cuja raiz histórica reside na prática de operações psicológicas e de informação, hoje amplificadas pelo avanço da ciência, especialmente no campo das tecnologias da informação e comunicação e inteligência artificial (Minhas, 2025).

Analisa-se aqui as principais características da guerra cognitiva e como elas são utilizadas pelas facções criminosas, para exercer controle simbólico e territorial, influenciar populações e desafiar a soberania estatal. A análise baseia-se em uma revisão de literatura interdisciplinar que abrange estudos sobre narcocultura, comunicação, segurança e psicologia social.

Guerra Cognitiva: Conceito e Características

A guerra cognitiva é definida como o uso deliberado de meios psicológicos, informacionais e tecnológicos para influenciar ou perturbar os processos mentais de indivíduos e grupos (Claverie & Du Cluzel, 2021). Ela se diferencia de outras formas de guerra por ter como alvo direto a cognição humana — percepção, memória, julgamento e tomada de decisão — e por operar de forma contínua, invisível e não-letal.

Segundo Deppe e Schaal (2024), a guerra cognitiva combina tecnologias emergentes com estratégias tradicionais de manipulação, como propaganda, desinformação e operações psicológicas. Seu objetivo é alterar comportamentos e crenças, enfraquecer a coesão social e desestabilizar instituições. No contexto militar, ela é considerada uma extensão da guerra híbrida e um novo domínio estratégico, ao lado dos domínios terrestre, marítimo, aéreo, espacial e cibernético.

O gráfico abaixo apresenta uma análise comparativa entre quatro tipos de ameaças estratégicas: guerra cognitiva, guerra da informação, guerra cibernética e guerra psicológica. Cada uma dessas modalidades foi avaliada pelos autores em nove dimensões fundamentais: área de foco, domínio operacional, objetivo principal, métodos utilizados, uso de tecnologia, alvo, preocupações éticas, e a distinção entre efeitos de curto e longo prazo. A disposição dos dados permite visualizar, de forma integrada, como cada tipo de guerra se comporta em relação a essas variáveis.

A guerra cognitiva se destaca significativamente em quase todos os eixos do gráfico. Ela apresenta maior intensidade nas dimensões relacionadas ao uso de tecnologias avançadas, como inteligência artificial e neurociência, e ao foco direto na cognição humana — ou seja, na forma como indivíduos e grupos pensam, sentem, decidem e se comportam. Além disso, é a modalidade que mais se orienta para efeitos de longo prazo, buscando moldar percepções e crenças de maneira duradoura, ao contrário de outras ameaças que visam resultados imediatos ou pontuais.


Gráfico 1: Análise Comparativa da Guerra Cognitiva com Outras Ameaças (Marjanović; Smiljanić, 2025, p. 89).

Comparativamente, a guerra da informação concentra-se na manipulação de dados e narrativas, com menor profundidade na alteração de processos mentais. A guerra cibernética, por sua vez, atua sobre sistemas digitais e infraestrutura tecnológica, sendo mais voltada à interrupção de serviços e à sabotagem de redes. Já a guerra psicológica compartilha algumas técnicas com a guerra cognitiva, como o uso de propaganda e manipulação emocional, mas tende a ser mais limitada em escopo, profundidade e sofisticação tecnológica.

Perceba-se que o domínio cognitivo abrange todas as demais ameaças e ocupa áreas mais amplas em quase todos os eixos, indicando sua abrangência e complexidade superiores. Isso reforça a ideia de que a guerra cognitiva é uma ameaça estratégica mais profunda e transversal, exigindo atenção especial por parte de governos, instituições e sociedades. Ela não apenas interfere na infraestrutura ou na informação, mas atua diretamente sobre o elemento humano — o que a torna especialmente perigosa e difícil de detectar, pois suas capacidades relacionadas a informação têm efeitos político-estratégicos mais duradouros que ações essencialmente táticas (Walker, 2024).

Essas capacidades agem sobre os efeitos intangíveis do espectro das ações em campo de batalha. São conhecidas pelo termo de ações não cinéticas, pelo fato de serem consideradas uma ação ofensiva ou danosa, ao mesmo tempo que não é uma ação de uma arma física de destruição. (Walker, 2024, p. 120)

Justamente por isso é que se deve reconhecer que a mudança trazida pela era da informação não se restringe a moldar apenas a maneira como se faz a guerra em seu sentido estrito, mas é capaz de moldar todas as instâncias da vida humana, inclusive as formas de atuar do crime organizado, que não mais se reduzem a definição de reunião permanente de criminosos cujo único objetivo é o lucro ilícito.

Continuar com esse pensamento sobre o crime e não reconhecer que é preciso evoluir quanto a métodos, técnicas e doutrina na segurança pública; é, ainda, preservar “incondicional apego a uma cosmovisão antiquada” (Visacro, 2018, p. 206). Nossos profissionais de segurança, altamente capacitados em ações cinéticas, e nossa classe política, são lentos em admitir que é preciso combinar tais ações com aquelas cujo efeito deve incidir sobre alvos intangíveis como o moral, o interesse e afetividade da opinião pública (Royal, 2019) sobre a percepção que ela tem sobre as forças estatais e sobre as facções criminosas de base prisional.

Narcocultura, “Territórios Cognitivos” e Perda de Legitimidade do Estado

A narcocultura é uma das principais ferramentas de guerra cognitiva utilizadas por facções criminosas no Brasil. Trata-se de um conjunto de práticas, símbolos e narrativas que glorificam o estilo de vida do narcotraficante, legitimando o tráfico de drogas como meio de ascensão social e poder (Becerra Romero, 2018).

Esse fenômeno representa um conjunto complexo de símbolos, narrativas, práticas e valores emergentes do universo do narcotráfico (Sullivan, 2012; Bragança, 2012). Ele não se limita a uma estética de ostentação ou violência, mas funciona como uma ferramenta ideológica poderosa para legitimar negócios ilícitos, construindo narrativas que posicionam o crime como uma forma de resistência, poder e identidade coletiva.

Sullivan (2012) a define como uma linguagem cultural que expressa lealdade, resistência e poder, manifestando-se em músicas, imagens religiosas (como Santa Muerte e Jesús Malverde) e até mesmo práticas de culto, atuando no campo simbólico para moldar percepções e intimidar adversários. Bragança (2012), por sua vez, introduz o conceito de narcoimaginário, um conjunto de imagens e representações que circulam na cultura popular, negociando sentidos sobre identidade e poder em uma zona de “paralegalidade”, onde o ilegal se entrelaça com o social e o cultural.


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• Wanderley Mascarenhas de Souza, Márcio Santiago Higashi Couto, Valmor Saraiva Racorti e Paulo Augusto Aguilar (Autores)
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Conforme apontam Lind et al. (1989), o fim da Guerra Fria trouxe o fim domínio estatal da violência, entramos numa época de ruptura radical: nela, os principais combatentes deixam de ser exércitos regulares e passam a ser atores armados não estatais, que operam em rede, de maneira descentralizada, explorando vulnerabilidades sociais e psicológicas. Nesse paradigma, a guerra já não é travada apenas em campos de batalha, mas em centros urbanos, nas redes sociais, nos discursos e nos símbolos.

Nesse tipo de conflito não há, necessariamente, a busca pela derrota das forças do Estado em combates diretos; sua principal estratégia é corroer a legitimidade das instituições, instaurar zonas autônomas e moldar a percepção da população. Aí é onde entra o “narcoimaginário” de Bragança (2012), que explora ao máximo as vulnerabilidades psicossociais de comunidades desassistidas pelo Estado. Qualquer um pode, hoje, dispondo de tecnologia móvel, difundir praticamente sem custos o modo de vida proposto pelas organizações criminosas e alcançar um domínio não apenas físico, mas também psicológico sobre uma grande massa de população através de meios digitais.

Nesse sentido, Forest (2021), aponta que a influência digital se baseia na economia da atenção, onde o valor de uma mensagem está em sua capacidade de atrair e manter o foco do público, não necessariamente em sua veracidade. Facções criminosas exploram esse princípio ao disseminar conteúdos que reforçam sua imagem e legitimidade, especialmente entre jovens em situação de vulnerabilidade. Ou seja, as facções criminosas não apenas controlam fisicamente os territórios, mas também dominam o espaço simbólico e cognitivo.

Como demonstram Rodriguez, Ferreira e Arruda (2011), o funk “proibidão” é uma expressão musical que reforça a territorialidade do tráfico, exaltando conquistas, ameaças a facções rivais e normas de convivência impostas pelos grupos armados. Essas músicas funcionam como propaganda, moldando a percepção dos moradores sobre quem detém o poder e quais comportamentos são aceitáveis ou desejáveis.

A territorialização cognitiva também se dá por meio da imposição de fronteiras simbólicas. Moradores de favelas dominadas por uma facção são frequentemente impedidos de circular em áreas controladas por grupos rivais, criando uma geografia mental marcada pelo medo, pela lealdade forçada e pela internalização de códigos do tráfico (Sullivan & Bunker, 2011).

O processo envolve a manipulação de emoções, especialmente medo, raiva e admiração. Facções utilizam estratégias de propaganda emocional para gerar respeito e submissão. Wilbur (2025) alerta para o uso de inteligência artificial na criação de deepfakes e mensagens personalizadas que exploram vulnerabilidades psicológicas, como impulsividade, depressão e isolamento.

Veja-se abaixo imagens e texto transcrito de vídeo gerado por IA (arquivo do autor) no qual é feita alusão a facção baiana Movimento do Povo Atitude (MPA), sediada em Porto Seguro. A propaganda é direcionada à criminosos que estejam dispostos a se unir a eles e a população local:





Destaque-se que o perfil que teria postado o vídeo nas redes sociais atualmente encontra-se indisponível e pode até mesmo não ter sido produzido pela facção ou a pedido dela, mas fica ao menos constatado empiricamente o que pode ser feito, a partir da tecnologia disponível para afetar psicologicamente a população e adversários e conduzir ao comportamento social desejado por um ator armado não estatal.

O controle territorial das favelas do Rio de Janeiro ou de qualquer outra comunidade nas cidades brasileiras, e mesmo em pequenas cidades distantes dos centros urbanos, não depende apenas da força física e de armamentos pesados. Ele é sustentado por um sistema de valores idealizado pelos criminosos que cria laços de identidade, lealdade e até devoção entre os moradores e os grupos criminosos. As organizações criminosas combinam elementos militares, econômicos, culturais e simbólicos: distribuem cestas básicas, financiam festas, produzem músicas e, ao mesmo tempo, exibem um aparato bélico que intimida e impõe obediência. A ameaça imposta por grupos assim é híbrida justamente por essa capacidade de fundir o coercitivo e o cultural, o físico e o informacional.

Além disso, como mostram Annett e Giordano (2025), o domínio cognitivo envolve a integração de dimensões biológicas, psicológicas e sociais, permitindo que adversários influenciem comportamentos por meio de estímulos ambientais, narrativas simbólicas e tecnologias digitais. Essa abordagem é especialmente eficaz em contextos democráticos, onde o acesso à informação é amplo.


Gráfico 2: Domínio Cognitivo (ANNETT; GIORDANO, 2025).

A guerra cognitiva praticada pelas facções não visa apenas o controle físico e imediato, mas a construção de uma legitimidade paralela. Ao se apresentarem como provedores de segurança, justiça e assistência social — funções que o Estado muitas vezes falha em cumprir —, essas organizações conquistam a adesão simbólica de parte da população (Marjanović & Smiljanić, 2025).

Essa estratégia é reforçada por práticas culturais e simbólicas que promovem o pertencimento, como o uso de símbolos, a exaltação de líderes locais e a produção de narrativas que justificam a violência como forma de resistência ou justiça (Becerra Romero, 2018; Rodriguez et al., 2011).

Implicações para a Segurança e a Política Pública

O reconhecimento da guerra cognitiva como uma dimensão central da atuação das facções criminosas impõe desafios significativos para a segurança pública e a formulação de políticas. A resposta estatal não pode se limitar à repressão policial, pois o conflito não é apenas físico, mas simbólico, cultural e psicológico.

Enquanto estivermos presos a resolução do problema apenas focados na destruição material, não compreenderemos que essa disputa é decidida na percepção pública. Essa é talvez a chave para compreender a força da narcocultura, em todas as suas expressões, nas periferias. Não basta ao Estado ocupar fisicamente uma comunidade com operações, se não consegue construir uma narrativa convincente de legitimidade. Quando a polícia entra em uma comunidade e é vista como invasora, mas o traficante financia a festa do Dia das Crianças, os elementos psicossociais e biológicos afetados pela ação dos criminosos pesam mais do que a presença física do Estado.

Esse tipo de conflito híbrido e difuso gera um problema para a lógica tradicional da segurança pública. O Estado ainda pensa em termos da Era Industrial (Visacro, 2018), como se somente a aplicação da força fosse suficiente para restaurar a ordem. Mas na prática, o uso exclusivo da força pode reforçar a narrativa das facções. Cada jovem morto em confronto policial pode ser transformado em mártir pela música ou pelas redes sociais. Cada operação truculenta gera material simbólico que fortalece a narrativa da exclusão. Ou seja, a dimensão física jamais pode se sobrepor à dimensão informacional e humana: a ocupação territorial é apenas de curto prazo se não vier acompanhada da reconstrução simbólica e da (re)conquista da legitimidade.

Como apontam Deppe e Schaal (2024), é necessário desenvolver capacidades institucionais para monitorar, analisar e responder a campanhas de desinformação, manipulação emocional e propaganda criminosa. A integração entre segurança, inteligência, psicologia social e tecnologia é essencial para enfrentar os desafios da guerra cognitiva no século XXI.

A omissão do Estado na condução eficaz da guerra simbólica e cognitiva representa uma crise profunda de legitimidade, como evidenciado em Lind et al. (1989), Sullivan e Bunker (2011), Sullivan (2012) e Visacro (2018). Essa falha não é apenas uma questão de negligência tática, mas um reflexo estrutural de incapacidade ou falta de visão estratégica para enfrentar atores não estatais que operam sob os paradigmas da Guerra de Quarta Geração (4GW).


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Fica claro que esse tipo de ameaça, tal qual exercida por organizações criminosas de base prisional no Brasil, exige uma resposta integrada que transcenda a repressão física, incorporando dimensões psicológicas, sociais, informacionais e culturais. No entanto, as políticas públicas predominantes na América Latina, incluindo Brasil, México e Colômbia, permanecem ancoradas em abordagens convencionais, ignorando o campo simbólico e cognitivo onde o crime organizado ganha terreno.

A crise de legitimidade decorre diretamente dessa desconexão. Lind et al. (1989) argumenta que na 4GW, a vitória é perceptual, conquistada pela opinião pública, e o Estado perde quando falha em manter a narrativa dominante. As implicações são sistêmicas. A perda de legitimidade mina a soberania westfaliana (Visacro, 2018 e 2021), ao dissolver o monopólio estatal da força. Comunidades marginalizadas, carentes de serviços básicos, adotam facções como governanças paralelas, enquanto a população urbana, influenciada por narrativas, normaliza o crime.

Considerações Finais

A análise apresentada evidencia que o crime organizado contemporâneo transcende as fronteiras da violência física e da economia ilícita, operando de forma estratégica no domínio cognitivo. Facções criminosas não apenas disputam territórios geográficos, mas também constroem espaços simbólicos e subjetivos por meio da narcocultura, moldando percepções, afetos e identidades. Essa atuação híbrida — que combina força bélica, assistência social e propaganda emocional — revela uma profunda crise de legitimidade do Estado, especialmente em comunidades marginalizadas.

A guerra cognitiva, como demonstrado, é uma modalidade de conflito que atua diretamente sobre a mente humana, utilizando narrativas, símbolos e tecnologias para influenciar comportamentos e crenças. Ao negligenciar essa dimensão, o Estado brasileiro permanece refém de uma lógica repressiva ultrapassada, incapaz de enfrentar os desafios impostos por atores armados não estatais que operam sob os paradigmas da Guerra de Quarta Geração. Ações dissimuladas, traiçoeiras e anônimas podem hoje ser dominadas por qualquer um para manipular o público, tendo em vista o alcance das TICs. Portanto, o uso de comunicação de massa para influenciar e manipular não é mais exclusividade do Estado e das elites econômicas. Essa realidade impõe que as forças estatais lutem mais ativamente também nesse terreno, sem hesitação ou timidez.

A ocupação física de territórios, sem a reconstrução simbólica e afetiva, resulta em ações de curto prazo e na perpetuação da exclusão. Cada operação policial sem respaldo narrativo fortalece o imaginário criminoso, transformando vítimas em mártires e consolidando o poder simbólico das facções. Portanto, é imperativo que políticas públicas integrem estratégias informacionais, culturais e psicológicas, promovendo uma presença estatal que seja percebida como legítima e protetora. Lembre-se que “a aquisição de novas capacidades para operar em um amplo espectro de conflitos não implica em perda ou redução de eficiência nas táticas convencionais de combate” (Visacro, 2018, p. 207).

Enfrentar a guerra cognitiva exige mais do que força: requer inteligência estratégica, foco na população e capacidade de comunicação. O Estado precisa disputar a batalha das ideias, dos sistemas de valores que sustentam a si mesmo e a democracia, reconstruindo vínculos de pertencimento e confiança. Só assim será possível reverter o avanço da narcocultura e restaurar a soberania estatal em territórios onde hoje impera a lógica do crime.

Referências

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